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Pare de Pisar em Ovos: Como agir quando alguém que você ama tem Transtorno Borderline (Limítrofe)

Tem alguma coisa errada comigo!

Essa era a única explicação que eu conseguia imaginar para o comportamento dele. Por que ele agia de forma tão amorosa em um instante, para logo depois arrasar comigo? Por que ele me achava talentosa e maravilhosa, e logo depois me acusava de ser desprezível e a causa de todos os problemas dele? Se ele me amava tanto quanto dizia, por que eu me sentia manipulada e impotente? E como alguém tão inteligente e culto podia às vezes agir de forma tão completamente irracional?


Eu tinha consciência de que não havia feito nada para merecer tal tratamento. Porém, ao longo de vários anos, acabei por aceitar o ponto de vista dele: eu estava errada, e tudo era minha culpa. Mesmo após o término do nosso relacionamento, a desconfiança e a baixa autoestima permaneceram. Então, comecei a fazer terapia.


Após vários meses, a terapeuta me disse algo sobre meu ex-namorado que mudaria radicalmente a minha vida e a de muitas outras pessoas: “Esse tipo de comportamento que você está descrevendo é característico de Transtorno de Personalidade Borderline - TPB. Como não conheço seu ex-namorado, não posso diagnosticá-lo. Mas, pelo que você contou, ele com certeza se encaixa nos critérios.”


Transtorno de Personalidade Borderline? Eu nunca tinha ouvido falar nisso. A terapeuta me indicou a leitura do livro I Hate You - Don’t Leave Me [Odeio você - Não me abandone], escrito pelo médico Jerold Kreisman em 1989. Assim descobri que o comportamento confuso do meu namorado se enquadrava em sete dos nove critérios do Transtorno de Personalidade Borderline - TPB - listados na “bíblia” dos psiquiatras, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM, na sigla em inglês. São necessários apenas cinco critérios para a confirmação do diagnóstico.


Muitos livros não relacionados ao TPB influenciaram minha maneira de pensar. O mais importante deles foi The Dance of Anger [A dança da raiva] (1985), de Harriet Goldhor Lerner, Ph.D., cujos conceitos fundamentais permeiam cada página deste livro. The Dance of Anger mudou a minha vida desde o momento em que o li. É uma grande honra passar adiante a sabedoria de Lerner, que tanto me inspirou. Os livros de Susan Forward, Ph.D., também influenciaram este trabalho, principalmente Chantagem emocional (1998) e Pais tóxicos (1990). Eu recomendo muito esses três livros.


Eu queria saber mais sobre como o transtorno havia me afetado. Eu precisava descobrir como me curar. Mas só encontrei dois livros sobre TPB voltados para o público leigo, e eles eram apenas explicações simplificadas sobre o transtorno, não manuais de autoajuda para familiares dos borders. Desta forma, decidi escrever meu próprio livro de autoajuda. Como o TPB afeta 6 milhões de pessoas apenas na América do Norte, eu imaginei que pelo menos 18 milhões de familiares, namorados, cônjuges e amigos — como eu — se sentiam culpados por comportamentos que pouco tinham a ver com eles próprios.


Uma amiga soube que eu gostaria de escrever o livro em parceria com algum profissional de saúde mental e indicou Paul Mason, um psicoterapeuta que havia trabalhado por dez anos com borders e familiares tanto em regime hospitalar como ambulatorial. Sua pesquisa sobre os subtipos do TPB havia sido publicada em uma revista respeitada, e ele já havia ministrado várias palestras sobre o assunto para plateias leigas e profissionais.


Como eu, Paul estava convencido de que amigos, namorados, cônjuges e familiares de portadores de transtorno borderline precisavam saber que não estavam sozinhos. “Alguns familiares me contavam que se viam em uma guerra emocional e não sabiam mais como reagir”, comentou.


Paul deu início à pesquisa para o livro, procurando estudos relevantes entre a literatura específica. Muitos artigos discutiam as dificuldades de se tratar pacientes borderline, vistos por alguns profissionais de saúde mental como carentes, desafiadores e de progressão terapêutica lenta ou nula. A maioria dos textos, no entanto, propunha estratégias de enfrentamento para profissionais que viam os pacientes durante apenas uma hora por semana e negligenciava as necessidades dos familiares que conviviam com o border sete dias por semana e não tinham treinamento específico.


Nos estudos que discutiam “a família”, este termo quase sempre se referia à família de origem da pessoa com TPB, e o enfoque principal era determinar o papel do ambiente familiar remoto no desenvolvimento do transtorno. Em outras palavras, os estudos enfocavam o comportamento em relação aos borders, e não o comportamento do border em relação ao outro.


Enquanto Paul mergulhava nos periódicos especializados, comecei a entrevistar dezenas de profissionais de saúde mental sobre o que as pessoas que não têm TPB, as não borders (namorados, cônjuges, amigos ou parentes de borders), podem fazer para assumir o controle das próprias vidas e parar de viver “pisando em ovos”, mas sem deixar de lado o apoio a alguém querido. Alguns desses especialistas eram pesquisadores de TPB renomados, e outros, profissionais indicados por amigos.


Uma grande surpresa estava à minha frente. Embora, por definição, o Transtorno de Personalidade Borderline afete negativamente as pessoas que convivem com o paciente, a maioria dos profissionais de saúde — com algumas exceções dignas de nota — ficava tão sobrecarregada pelos pacientes borderline que mal aconselhava os não borders. As entrevistas continuaram, e o volume de conhecimento aumentou.


Paul e eu havíamos reunido informações essenciais para quem mantém relações afetivas com borders, mas ainda não tínhamos um livro — não o guia de apoio detalhado que queríamos. E então, veio a internet. Meu computador novo, que eu havia comprado para escrever e trabalhar com marketing e relações públicas, veio com um disquete do America Online (AOL), o provedor de serviços de internet. Fiquei curiosa para experimentar a internet, então instalei o programa. Descobri um mundo novo do qual eu não fazia ideia. Os fóruns de discussão do AOL eram como gigantescos grupos de apoio reunidos no maior salão de igreja do mundo. Os internautas que encontrei nesses grupos on-line, borders ou não borders, não esperavam por respostas de especialistas. Aquelas pessoas dividiam estratégias de enfrentamento, trocavam informações técnicas e davam apoio emocional a desconhecidos íntimos, pessoas que entendiam exatamente o que as demais sentiam.


Comecei pela leitura dos anos de postagens acumuladas de centenas de borders e não borders nos fóruns e enviei e-mails para os autores das últimas mensagens, perguntando-lhes se gostariam de participar da nossa pesquisa. Muitos aceitaram o convite, encantados com o fato de alguém finalmente dar atenção à inexistência de informações sobre o TPB.


Conforme as conversas via e-mail avançaram, comecei a identificar as principais preocupações dos familiares, amigos, cônjuges e namorados. Em seguida, eu pedia que os borders me dessem suas próprias perspectivas sobre a questão. Por exemplo, quando os não borders me contavam do desamparo sentido diante de acessos de fúria, eu pedia que os borders tentassem relatar o que eles próprios sentiam e pensavam durante essas explosões e como os familiares poderiam responder de forma melhor.


De início, os borders não se abriam muito comigo. Contudo, com o passar dos meses e conforme a confiança em mim aumentava, eles começaram a revelar sentimentos muito profundos e a descrever a devastação incrível que o transtorno borderline provoca. Muitos contaram histórias de abuso sexual, automutilação, depressão e tentativas de suicídio. “Ser border é se sentir num inferno sem fim, para dizer o mínimo”, escreveu uma mulher. “Dor, raiva, confusão, mágoa. Nunca saber como vou me sentir no minuto seguinte. Tristeza, porque sei que machuco quem eu amo. Muito de vez em quando eu me sinto alegre demais, e isso me deixa ansiosa. Aí, faço cortes no meu corpo. E então, morro de vergonha por ter me cortado. Sinto como se minha vida fosse um labirinto sem fim, e a única forma de sair é acabar com tudo de uma vez.”


Alguns terapeutas não acreditavam na possibilidade de recuperação das pessoas com TPB. Porém, conheci muita gente na internet que havia melhorado bastante por meio de uma combinação de terapia, medicação e apoio emocional. A alegria dessas pessoas ao se sentirem normais pela primeira vez na vida me levou às lágrimas em várias ocasiões. E, pela primeira vez, compreendi como o meu border deve ter sofrido. Comportamentos que eram incompreensíveis agora faziam sentido. Pela primeira vez, entendi profundamente que todos aqueles ataques emocionais gratuitos não tinham nada a ver comigo. As explosões provavelmente eram o resultado da vergonha e do forte medo de abandono que meu namorado sentia. A descoberta de que ele também era uma vítima transformou parte da minha raiva em compaixão.


As histórias de familiares que eu lia na internet também eram assustadoras. Li sobre pessoas que espalhavam mentiras embaraçosas e prejudiciais dos respectivos cônjuges e os denunciavam por abuso. Pais amorosos e desnorteados gastavam todas as economias tentando ajudar os filhos com traços do transtorno, apenas para serem acusados implícita ou explicitamente de abuso infantil. Filhos adultos de borders relatavam o pesadelo por que passaram na infância. Um homem relatou: “Até minhas funções fisiológicas eram criticadas. Minha mãe era borderline e dizia que eu não comia direito, não caminhava, pensava, sentava, urinava, chorava, espirrava, tossia, sorria, sangrava nem escutava direito.” Irmãos de borders contavam da luta pela atenção dos pais e se preocupavam com a possibilidade de seus próprios filhos desenvolverem o transtorno.


Com a ajuda de voluntários que conheci nos fóruns da internet, fiz um site sobre TPB (www.BPDCentral.com) e organizei uma comunidade on-line para não borders, chamada Welcome to Oz [Bem-vindos a Oz], minha comunidade on-line para pessoas próximas a borderlines, entrou no ar em janeiro de 1996. Muitas pessoas ficavam pasmas ao descobrir que suas vivências eram compartilhadas por muitos, que aquilo por que passavam não acontecia só com elas. Por exemplo, três membros da Welcome to Oz contaram sobre brigas com borders dentro de aeroportos. Houve quatro relatos sobre borders que sonharam que o familiar fazia alguma coisa errada e passaram dias com raiva por causa disso.


Pouco a pouco, Paul e eu começamos a organizar esses dados. Desenvolvemos um sistema: eu passava a Paul ideias e sugestões recolhidas na internet, e ele desenvolvia e conceituava teoricamente o material. Às vezes, Paul propunha estratégias a partir de suas pesquisas, e eu ajustava essas recomendações e as divulgava entre os membros da comunidade, que faziam observações com base em suas vivências. Nós estávamos maravilhados com a tecnologia: com o toque de uma tecla, a internet nos devolvia o feedback de centenas de pessoas de todo o mundo.


Quando já estávamos satisfeitos com o material, nós o mostramos a alguns colegas do Paul, a outros profissionais de saúde mental e a pesquisadores de TPB conceituados que passaram anos trabalhando com borders e suas famílias. Todos confirmaram que seus pacientes e respectivos familiares tinham as mesmas preocupações que os membros dos nossos fóruns on-line. Para nos certificar ainda mais da precisão dos dados, pedimos a Edith Cracchiolo, professora de psicologia na Faculdade Cerritos, em Norwalk, Califórnia, que fizesse um levantamento dos não borders no nosso grupo de apoio on-line. Sem dúvida, não foi possível satisfazer a todos. Quando comecei a considerar seriamente a ideia de escrever o livro, eu não conseguia entender por que ninguém havia feito isso antes. Após alguns meses no projeto, a resposta ficou bem clara. O Transtorno de Personalidade Borderline é um assunto complexo e controverso. Defini-lo é como tentar pescar um peixe com as mãos, de olhos vendados e debaixo de chuva. Há muitas teorias sobre as causas do TPB, mas todas são inconclusivas. As formas de tratamento rendem discussões acaloradas entre os pesquisadores mais proeminentes.


Porém, o mais frustrante de tudo era a falta de reconhecimento do transtorno borderline pela comunidade de saúde mental e, consequentemente, pelo público em geral. De acordo com a American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria, ou APA, na sigla em inglês), a incidência do TPB equivale, grosso modo, à soma das incidências de esquizofrenia e transtorno bipolar. Ainda assim, a maioria dos profissionais entrevistados por nós admitia não ter recebido treinamento adequado para diagnosticar e tratar esse transtorno tão desafiador. Alguns haviam apenas assistido a uma ou duas palestras sobre o assunto.


Escrever este livro provou ser, na mesma medida, um desafio intelectual e emocional. Ao responder a nossos questionários, muitos borders incluíam ameaças de suicídio implícitas ou explícitas. Eu recebia diariamente pelo menos uma carta desesperada de alguém que havia acabado de saber da existência do TPB no site www.BPDCentral.com e pedia orientação sobre como proceder.


O resultado de três anos de esforços é este livro que você tem em mãos agora. Não é a última palavra sobre o assunto. Isto é apenas o começo. Esperamos que este material desperte o interesse por novas pesquisas e ajude médicos a orientar seus pacientes. Queremos que sirva de apoio e consolo para familiares e amigos, e que represente uma esperança de recuperação para as pessoas com transtorno borderline. Acima de tudo, esperamos que ajude você, e muitos outros como você, a descer da montanha russa emocional que tomou conta da sua rotina desde que um borderline entrou na sua vida.

— Randi Kreger (Introdução Adaptada do Livro: Pare de Pisar em Ovos)


FONTE: LIVRO: Pare de Pisar em Ovos: Como agir quando alguém que você ama tem Transtorno de Personalidade Borderline. Paul T. Mason e Randi Kreger. Editora Fontanar, 2013.

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