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O Conceito de Neurodiversidade Está Dividindo a Comunidade do Autismo

Isso continua sendo uma controvérsia, mas não precisa ser de acordo com Simon Baron-Cohen que é Diretor do Autism Research Center da Universidade de Cambridge, Reino Unido, e Presidente da International Society for Autism Research.


(Tradução Livre)


No encontro anual da Sociedade Internacional para Pesquisa do Autismo - INSAR - International Society for Autism Research - em Montreal, Canadá, em maio de 2019, um tópico amplamente debatido foi o conceito de neurodiversidade que está dividindo a comunidade do autismo, porém sem necessidade.

O termo neurodiversidade ganhou popularidade nos últimos anos, entretanto foi utilizado pela primeira vez por Judy Singer, uma socióloga australiana, autista, em 1998.

A neurodiversidade está relacionada ao conceito mais familiar de biodiversidade, e ambos são formas respeitosas de pensar sobre nosso planeta e nossas comunidades. A ideia de neurodiversidade é muito semelhante aos argumentos postulados pelos Direitos Civis para que as minorias tenham dignidade e aceitação, e não sejam “patologizadas”. Embora o Movimento da Neurodiversidade reconheça que os pais ou pessoas autistas possam escolher entre diferentes intervenções para os sintomas específicos que podem causar sofrimento, o movimento desafia a suposição padrão de que o próprio autismo é uma doença ou um transtorno que precisa ser erradicado, prevenido, tratado ou curado .

Muitas pessoas autistas - especialmente aquelas que têm linguagem intacta e sem dificuldades de aprendizagem que podem se autodefender - adotaram o fundamento da neurodiversidade, cunhando o termo "neurotípico" para descrever a maioria dos tipos de cérebro e vendo o autismo como um exemplo de diversidade no conjunto de todos os possíveis tipos de cérebros, nenhum dos quais seriam “normais”, mas simplesmente seriam todos diferentes.

Eles argumentam que em ambientes altamente sociais e imprevisíveis algumas de suas diferenças podem se manifestar como deficiências, enquanto em ambientes com traços autísticos as limitações podem ser minimizadas, permitindo que outras discrepâncias floresçam como talentos. A perspectiva da neurodiversidade nos lembra que a deficiência e até mesmo o transtorno podem corresponder à adaptação pessoa-ambiente. Para exemplificar uma pessoa autista: “Somos peixes de água doce em água salgada. Coloquem-nos em água doce e funcionaremos perfeitamente. Coloquem-nos em água salgada e lutaremos para sobreviver”.

Existem também aqueles que, embora adotem alguns aspectos do conceito de neurodiversidade aplicado ao autismo, argumentam que os graves desafios enfrentados por muitas pessoas autistas se encaixam melhor em um modelo clínico clássico. Muitos são pais de crianças autistas ou indivíduos autistas que lutam consideravelmente em vários ambientes, que podem não ter quase linguagem, que apresentam graves dificuldades de aprendizagem, que sofrem de dor gastrointestinal ou epilepsia, que parecem estar em angústia sem motivo aparente ou que atacam a si mesmos ou a outros.

Muitos dos que adotam o modelo clínico do autismo clamam pela prevenção e cura das graves deficiências que podem estar associadas ao autismo. Em contraposição, aqueles que apoiam a neurodiversidade veem essa expressão como uma ameaça à existência de pessoas autistas, como a eugenia.

Não me surpreendo que este conceito esteja causando tal divisão. No entanto, eu argumento que esses pontos de vista não são mutuamente exclusivos, mas sim que podemos integrar ambos, reconhecendo que o autismo contém uma ampla heterogeneidade.

Antes de abordarmos a heterogeneidade, uma observação técnica sobre algumas terminologias: o termo “transtorno” é usado quando um indivíduo apresenta sintomas que estão causando disfunção e cuja causa é desconhecida, enquanto que o termo “doença” é utilizado quando um transtorno pode ser atribuído a um mecanismo causal específico. O termo “deficiência” é usado quando um indivíduo está abaixo da média em uma medida padronizada de funcionamento e quando isso causa sofrimento em um ambiente particular. Em contraste, o termo “diferença” simplesmente se refere à variação em uma característica, como olhos azuis ou castanhos.

Então, qual é a enorme heterogeneidade no espectro do autismo? Uma origem está na linguagem e na inteligência: como eu mencionei, algumas pessoas autistas não têm linguagem funcional e apresentam severo retardo de desenvolvimento - ambos os quais eu consideraria transtornos; outras têm dificuldades de aprendizagem mais leves; enquanto outras têm habilidades de linguagem na média ou superior e QI médio ou mesmo superior.

O que todos os indivíduos no espectro do autismo têm em comum são as dificuldades de comunicação social (que são deficiências) e as dificuldades de adaptação a mudanças inesperadas (outra deficiência), um amor pela repetição ou "necessidade de mesmice", ou seja, interesses excepcionalmente restritos, e a hiper ou hipossensibilidade sensorial (todos os exemplos de diferença). O autismo também pode estar associado a potencialidades cognitivas e até talentos, principalmente na atenção e na memória para detalhes, e um forte impulso para detectar padrões (todas essas são diferenças). O modo como tudo isso se manifesta provavelmente é influenciado fortemente pela linguagem e pelo QI.

A outra fonte para a imensa heterogeneidade é que o autismo é frequentemente acompanhado por comorbidades. Há a dor gastrointestinal, epilepsia e TDAH (todos exemplos de transtornos e, às vezes, doenças), dispraxia e dislexia (ambos exemplos de deficiências) e ansiedade e depressão (ambos exemplos de condições de saúde mental). Esta é apenas uma lista parcial. Um estudo recente mostra que 50% das pessoas autistas têm, pelo menos, quatro dessas condições concomitantes (incluindo transtorno de linguagem ou dificuldades de aprendizagem), e mais de 95% das crianças autistas têm, pelo menos, uma condição associada ao autismo.

A relevância disso para o debate da neurodiversidade é que, se mergulharmos na ampla gama de características que são vistas no autismo, encontraremos diferenças e deficiências (ambas compatíveis com o fundamento da neurodiversidade) e encontraremos exemplos de transtornos e até doenças , que são mais compatíveis com um modelo clínico do que com o modelo de neurodiversidade.

Em relação às evidências científicas, há indícios para ambos tanto para neurodiversidade quanto para transtorno. Por exemplo, a nível genético, cerca de 5 a 15 por cento da variação no autismo pode ser atribuída a variantes/mutações genéticas raras, muitas das quais causam não apenas autismo, mas também atrasos graves de desenvolvimento (transtornos), enquanto cerca de 10 a 50 por cento da variação no autismo pode ser atribuída a variantes genéticas comuns, como Polimorfismos de Nucleotídeo Único (SNPs), que simplesmente refletem diferenças individuais ou variações naturais.

Em nível neural, algumas regiões do cérebro autista - como a amígdala, na infância - são maiores e outras - como a região posterior do corpo caloso - são menores. Essas são evidências de diferenças, mas não necessariamente de transtorno. O supercrescimento cerebral precoce é outro sinal de diferença, porém não necessariamente de transtorno.

Estudos post-mortem do cérebro autista revelam um maior número de neurônios no lobo frontal, sugerindo que pode haver apoptose reduzida - ou poda das conexões neurais - no autismo, mas, novamente, isso pode ser apenas evidência de diferença, e não de transtorno. Contra isto, diferenças estruturais nas áreas de linguagem do cérebro em indivíduos autistas, que são minimamente verbais, podem ser um sinal de transtorno.

Os estudos de Ressonância Magnética funcional - RMf - às vezes mostram menos ou mais atividade cerebral durante tarefas diferentes e, novamente, isso pode ser interpretado em termos de diferença e deficiência, mas não é uma evidência clara de transtorno. Por outro lado, onde indivíduos autistas apresentam epilepsia evidenciada em procedimento eletrofisiológico, isso é um sinal de transtorno ou mesmo de doença.

Em níveis comportamental e cognitivo, as pessoas autistas apresentam diferenças, sinais de deficiência e transtorno. Por exemplo, crianças autistas podem olhar por mais tempo para estímulos não sociais do que para estímulos sociais, e pessoas autistas podem mostrar seu melhor desempenho em testes de QI no subteste Cubos, talvez refletindo a forte aptidão para atenção aos detalhes e montagem de informações complexas com partes componentes.

Ambos são simplesmente diferenças, compatíveis com o modelo de neurodiversidade. Aspectos da cognição social refletem áreas de deficiência no autismo e muitas vezes são a razão pela qual procuram e recebem um diagnóstico. Entretanto, se uma pessoa autista tem graves dificuldades de aprendizagem ou é minimamente verbal - definido como tendo menos de 30 palavras, isso está indiscutivelmente além da neurodiversidade e é mais compatível com o modelo clínico.

Em suma, há um caso em que todos os termos “transtorno”, “deficiência”, “diferença” e “doença” são aplicáveis ​​a diferentes formas de autismo ou às condições coexistentes. A neurodiversidade é um fato da natureza; nossos cérebros são todos diferentes. Portanto, não há sentido em ser um negador da neurodiversidade, mais do que ser um negador da biodiversidade. Contudo, ao olharmos de perto a heterogeneidade dentro do autismo, podemos ver como às vezes o modelo de neurodiversidade se ajusta muito bem ao autismo, e que às vezes o modelo de transtorno/clínico é uma explicação melhor.

O que é atraente sobre o modelo de neurodiversidade é que ele não “patologiza” e não se concentra desproporcionalmente naquilo com que a pessoa luta e, em vez disso, tem uma visão mais equilibrada, para dar igual atenção ao que a pessoa pode fazer. Além disso, reconhece que a variação genética ou outros tipos de variação biológica são intrínsecos à identidade das pessoas, como senso de individualidade e personalidade, que devem receber respeito igual ao lado de qualquer outra forma de diversidade, como gênero, por exemplo. Entretanto, para abranger a amplitude do espectro do autismo, precisamos abrir espaço para o modelo clínico também.

FONTE:

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