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Mulheres com autismo leve têm mais facilidade em observar e imitar não autistas do que homens

Pesquisas indicam que autistas do sexo feminino costumam ter um desejo mais forte de nutrir relações sociais, de fazer amizades do que os do sexo masculino. Meninas e mulheres podem ter habilidades imaginativas superiores e um mundo de fantasia muito rico em comparação a homens e meninos com TEA. Elas têm maior facilidade do que eles em observar os amigos não autistas e imitar seus comportamentos – que é justamente o que mascarou o TEA em Niamh.


“Copia e cola”. A ferramenta que usamos para editar textos em formato digital foi a escapatória utilizada pela jovem irlandesa Niamh McCann para se adaptar a uma sociedade que nem sempre compreendia. Niamh é autista e levou 14 anos para passar pelo primeiro teste para descobrir se tinha o transtorno. Nem assim foi diagnosticada. Sete anos mais cedo, seu irmão mais novo já havia recebido o diagnóstico. A que se deve a diferença?


“Garotas com Asperger são normalmente brilhantes e sensíveis. Quando somos mais jovens, nós usamos essas qualidades para realçar algumas das nossas competências sociais superficiais. Como detetives, nós observamos, nós escutamos, e tentamos encontrar sentido nas coisas que as pessoas fazem e no porquê elas fazem. É um trabalho duro”, conta a jovem.


Jovem conta como habilidade de imitar pessoas não autistas dificultou a busca por diagnóstico de TEA



Em palestra de 2018, no TEDxDunLaoghaire (legendada), em Dublin, na Irlanda, ela conta que seu irmão tinha características clássicas de Transtorno do Espectro Autista. Ele tinha 3 anos e meio quando recebeu o diagnóstico. Naquela época, apresentava atrasos na fala. Pulava e abanava as mãos com frequência (estereotipias frequentes) e não fazia contato visual, um dos principais sinais precoces do transtorno.


O processo de diagnóstico durou dois meses e, após o resultado, o garoto passou a ter acesso a tratamentos adequados para o seu desenvolvimento.


No caso de Niamh, a ferramenta de “copia e cola” a ajudou a sobreviver sem que destoasse tanto da maior parte das crianças. “Eu não pulava. Eu não abanava as mãos. Eu era tímida, mas uma estudante dedicada. Tirava boas notas e não causava problemas. Mas o que eu fazia estava escondido debaixo do tapete. Eu cobria meus ouvidos na hora do recreio porque o barulho da conversa das pessoas era excessivo para mim. Eu era quieta. Deixava os outros criarem as regras dos jogos que a gente brincava e dividia minhas canetas brilhantes quando ninguém mais fazia isso”, contou a jovem na palestra.


A imitação de pessoas típicas (que não são autistas), diz Niamh, é algo que ela sempre fez de forma espontânea, para se encaixar. “Nós fazemos isso de forma inconsciente, mas resulta na camuflagem dos nossos traços autistas e isto é chamado mascaramento”, diz.


Viés de gênero no diagnóstico de autismo é discutido e pesquisado pela comunidade médica atualmente


Existe hoje no meio médico a percepção de um viés de gênero no diagnóstico de autismo. Atualmente, de acordo com dados do CDC*, há 1 autista a cada 44 pessoas.


O debate atual leva em consideração que os próprios métodos usados no diagnóstico são focados nos comportamentos masculinos. Detectar autismo em si já é um processo delicado. Mesmo entre pessoas de um mesmo gênero, o autismo se manifesta de maneiras diferentes, ainda que em um grau parecido. Mas identificar o autismo leve em mulheres é um grande desafio, que se reflete nas dificuldades que elas sofrem de ter acesso a serviços de saúde adequados e também dificuldades para conseguir trabalhos e manter emprego e renda.


Humorista nunca conseguiu emprego formal e jornalista foi diagnosticada com TDAH antes de TEA



Entre os diversos relatos de mulheres diagnosticadas tardiamente está o da humorista australiana Hannah Gadsby. Ela nunca conseguiu se adaptar a um emprego formal e chegou a viver viajando, acampando pelo país, até aparecer uma oportunidade para se apresentar como comediante em um show de stand up. Hannah se encaixou perfeitamente na função, em que já tem um roteiro pré-definido do que dizer e dificilmente o comportamento do público foge da expectativa. Em seu show mais recente, Douglas, disponível na Netflix, a humorista fala sobre sua relação com o transtorno e com as pessoas típicas de forma hilária.


A brasileira Renata Simões é outro caso. Formada em jornalismo, atua como diretora, produtora, editora, roteirista e ainda como apresentadora e repórter, com trabalhos em canais de abrangência nacional, como TV Cultura e Rede Globo. Descobrir que tinha autismo pouco antes de completar 40 anos, trouxe um alívio e um entendimento maior sobre características que ao longo da vida teve dificuldades para compreender. O diagnóstico veio tardiamente mesmo tendo acompanhamento psicológico desde a infância. O que ela já sabia, e tratava há anos, eram as crises de ansiedade e o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH.


Musicista estudou sozinha e insistiu por diagnóstico; britânica só se descobriu autista após cegueira



A musicista sueca Elizabeth Wiklander pesquisou por conta própria e teve que colocar em cima da mesa de um médico todo o material de seu estudo para argumentar que, sim, tinha autismo e precisava do diagnóstico. “Já li tudo isso. Eu tenho essa condição. Por favor, me escute”, disse. Em uma palestra no TEDxGöteborg (legendada), ela fala sobre a Neurodiversidade.



A britânica Carrie Beckwith-Fellows contou em palestra no TEDxTalks (legendada), em Vilnius, capital da Lituânia, que só conseguiu descobrir que era autista sete anos depois de um episódio traumático – ela ficou cega por dois anos após uma aplicação de lítio quando estava internada em um serviço de atenção à saúde mental na Inglaterra. A medicação que causou a cegueira foi aplicada por ter sido considerada a única alternativa depois de tentarem, sem sucesso, tratá-la com eletrochoque. Por muitos anos seu autismo foi confundido com outras questões de saúde mental como Transtorno Bipolar, Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline), Depressão e Transtorno de Ansiedade Mista.


Adotar o processo de imitação é mentalmente exaustivo e emocionalmente destrutivo, diz Niamh


Niamh diz que este processo de imitação é exaustivo. “Nós trabalhamos dia e noite. As pistas normalmente nos indicam caminhos equivocados, mas nós não temos outra escolha, porque são os nossos meios de adaptação em um mundo que é socialmente muito confuso para nós.”


Na época em que deu a palestra, a jovem tinha 16 anos e já tinha recebido, enfim, o diagnóstico. Ela conta que quando era mais nova, costumava imitar seus personagens favoritos de desenho animado.


“A maneira de andar, as palavras que eles usavam e como conversavam uns com os outros. Eu absorvi essa informação e apliquei às minhas interações sociais quase como copiar e colar. Mas aprendi rapidamente que a vida não é um desenho animado, as pessoas não são personagens que se comportam de forma previsível e a imitação não pode levar uma garota Asperger tão longe”.


Ela relata que, ao chegar à adolescência, vivia uma rotina mentalmente exaustiva e emocionalmente destrutiva. As relações sociais neste período da vida se tornam muito mais sofisticadas. “E para uma garota com Asperger toda conversa se torna um problema de matemática”, afirma. “Eu consegui mascarar minha síndrome de Asperger por 14 anos e depois eu cheguei ao limite.”


Métodos de diagnóstico atuais ainda não levam em conta a capacidade feminina de mascarar o transtorno


Na busca por ajuda, ela foi avaliada por dois psicólogos. Porém, suas habilidades sociais eram desenvolvidas o suficiente para que descartassem o diagnóstico de TEA. Ela foi avaliada de acordo com o protocolo ADOS - Autism Diagnostic Observation Schedule, considerado padrão ouro na literatura internacional para auxiliar no diagnóstico do autismo. Foi o mesmo teste aplicado em seu irmão sete anos antes.


“Eles me passaram algumas tarefas simples e me perguntaram sobre minha vida, minha família, meus interesses. Respondi da única maneira que eu sabia: copiando e colando a resposta correta. Então sorri, apertei as mãos, ofereci contato visual, como eu sabia que deveria fazer”, diz Niamh. “Então, eles disseram que eu não estava no espectro autista. Na verdade, marquei zero no teste, mas não fui eu quem falhei no teste, foi o teste que falhou comigo.”


Niamh questiona quantas mulheres mais velhas estão sendo diagnosticadas nos seus 30, 40, 50 anos ou mesmo até mais velhas. Assim como Hannah, Renata, Elisabeth e Carrie. “E isso simplesmente não é bom o bastante. Essas mulheres passam décadas de suas vidas sem entender uma parte crucial delas mesmas”.


Niamh faz apelo para que características femininas sejam levadas em conta na identificação do TEA


Ela cita uma pesquisa recente em que 23% das garotas com anorexia se descobriram com autismo e que 40% delas lidam também com transtornos de ansiedade. “Incontáveis outras estão sendo tratadas com depressão”, alerta Niamh. “Eu me pergunto quantas dessas garotas poderiam ter sido poupadas dessas dificuldades em saúde mental se a velada Síndrome de Asperger tivesse sido identificada mais cedo. No fim das contas, eu consegui um diagnóstico correto, não por meio do ADOS, mas apesar do ADOS. Eu sou uma das sortudas”, afirma.


O discurso da jovem termina com um apelo. “Não quero que haja uma brecha no diagnóstico de outras garotas como aconteceu comigo. Nós precisamos ser melhores em identificar dificuldades em meninas, mesmo quando essas dificuldades são sutis. Nós precisamos de uma ferramenta mais ampla e precisa para diagnosticar o autismo em todas as suas formas. Porque autismo não é preto e branco, é um espectro de cores e nós precisamos abrir nossos olhos para enxergá-lo por completo.”


*CDC - Centro de Controle e Prevenção de Doenças, é uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, sediada na Geórgia. Com o objetivo de proteger o país das ameaças à saúde e à segurança, tanto no exterior quanto em território americano, conduz pesquisas e fornece informações de saúde em diversas áreas.

O CDC vem rastreando o número e as características de crianças com o espectro autista há mais de duas décadas em diversas comunidades americanas. As pesquisas se baseiam em dados coletados quatro anos antes da publicação.

O Brasil utiliza os estudos do CDC por não ter pesquisas concretas sobre a prevalência do autismo no país.


FONTE:

https://autismoerealidade.org.br/2020/11/26/niamh-mccann-e-o-mecanismo-de-copia-e-cola/

https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html


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