As funções executivas envolvem diversas áreas e habilidades que atuam em conjunto em prol da realização de objetivos. Diversos autores, por meio de suas pesquisas e estudos, trazem informações conceituais que se complementam e auxiliam a melhor compreensão desses elementos. Essas funções referem-se aos processos que possibilitam ações organizadas para orientação do comportamento, interação com o meio em busca de recursos, formulação de um plano de ação orientado por experiências passadas e flexibilização do comportamento em busca de novas alternativas necessárias para o alcance do objetivo inicialmente determinado. Assim, elas auxiliam o controle e a regulação do comportamento diante das demandas ambientais, tornando possível o engaje de forma organizada, adaptativa e direcionada a metas. Envolvem planejar, monitorar e realizar o comportamento de modo efetivo com sucesso. Nessa perspectiva, pode-se perceber que as funções executivas não são um construto unitário ou uma habilidade única, mas, sim, um conjunto de diversas habilidades que atuam no processo executivo como um todo. Uma definição mais recente foi dada por Diamond (2013), que descreve as funções executivas como um controle executivo top-down, ou seja, que age de cima para baixo, do controle mental para o comportamento, e que é ativado quando são necessárias a concentração e a atenção voluntárias. Segundo a autora, as funções executivas são necessárias porque é mais fácil continuar fazendo o que já se está fazendo do que mudar, é mais fácil cair em tentação do que resistir, é mais fácil continuar no “piloto automático” do que considerar o que pode vir a seguir. Logo, quando a pessoa decide fazer algo que vai contra o comportamento automático ou habitual, as funções executivas são ativadas. É o controle executivo ou cognitivo o responsável pela regulação do processamento das informações. Essas funções estão envolvidas na filtragem das demandas recebidas do ambiente e na seleção da forma mais adequada de resposta.
Diamond (2013) divide essas funções em duas categorias: funções executivas complexas, ou superiores, e funções executivas principais, que podem ser visualizadas na figura:
Fonte: Diamond (2013, p. 152), traduzido por Léon (2015)
Essas categorias são compostas por seis construtos: memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, planejamento, resolução de problemas e raciocínio. As três primeiras habilidades compõem as funções executivas principais e as três últimas, as complexas. (…) A memória de trabalho faz parte das funções executivas principais (básicas) e é uma habilidade cognitiva que permite a realização de operações mentais com informações armazenadas ou aprendidas anteriormente, permitindo que elas possam ser manipuladas, utilizadas e processadas, integrando estímulos ambientais e conhecimentos prévios. Baddeley e Hitch (1974) e, posteriormente, Baddeley (2000) estruturaram um modelo de memória de trabalho, dividido em quatro componentes: central executivo, alça fonológica, esboço visuoespacial e buffer episódico. O central executivo, que se relaciona às funções executivas, funciona como o centro de controle e comando das interações entre a memória de longo prazo e a alça fonológica e o esboço visuoespacial, coordenando os processos da memória de trabalho e controlando suas ações. A alça fonológica possui relação com a informação auditiva; constitui uma memória sonora, utilizada na informação que é codificada acusticamente, ou seja, é um armazenamento de curto prazo acústico, que processa os sons de entrada. O esboço visuoespacial é responsável pelo armazenamento da informação visual e códigos visuoespaciais. Já o buffer episódico é um sistema de armazenamento temporário com capacidade limitada, responsável por fazer a integração da informação provinda de fontes diferenciadas em uma representação unitária episódica.
A inibição, o segundo construto do esquema de Diamond (2013), refere-se ao controle dos impulsos, também conhecido como controle inibitório, e pode ser definida como a habilidade de inibir comportamentos não adequados ou impulsivos/habituais e realizar uma ação mais adequada e contextualizada. Está relacionada, por exemplo, à disciplina para permanecer em uma tarefa mesmo quando a vontade é de fazer outra coisa, e envolve a consideração de uma gratificação posterior, ou seja, é a persistência visando a objetivos maiores. Malloy-Diniz et al. (2008) descrevem-na como a capacidade que o sujeito possui de inibir respostas que ele tem uma forte tendência de realizar, assim como evitar comportamentos não adaptados impulsionados por influências internas ou até mesmo de preferências, permitindo agir de outra forma. É o controle de atenção, comportamento, pensamentos e emoções que são motivados por uma forte predisposição interna ou influência externa. A inibição é necessária quando existe a vontade ou o impulso de fazer algo, porém o indivíduo sabe que não pode ou não deve porque, naquele contexto ou para um grupo social específico, essa resposta não será adequada ou bem-vista. Portanto, o comportamento é inibido e substituído por um mais adequado e contextualizado. Gil (2010) caracteriza esse controle como a capacidade de inibir as respostas não adaptadas, ou seja, ele permite ao sujeito agir adequadamente, controlando comportamentos que não seriam corretos ou até prejudiciais naquele momento. Diamond (2013) afirma que sem essa capacidade o ser humano estaria abandonado à mercê de seus impulsos e velhos hábitos, como se não existisse a possibilidade de mudança ou de agir de modo diferente, como se o comportamento da pessoa fosse totalmente ditado pelo meio em que vive ou pelas situações que o ambiente determina.
O controle inibitório faz parte da rotina escolar. Por exemplo, a simples decisão de não sair da aula ou não dizer que gostaria de estar em casa porque está cansado, até uma decisão mais complexa de não aceitar um convite para o almoço porque tem um trabalho a entregar no dia seguinte, reflete uma ação não motivada pelo impulso, pois, mesmo querendo, a pessoa é capaz de refletir sobre as consequências de sua escolha e não fazer o que gostaria a princípio. Reflete a racionalidade, a possibilidade de mudar, de escolher o comportamento. Logo, responder a primeira ideia que vem à mente, tirar conclusões precipitadas, não conseguir esperar e não analisar todos os fatos sugerem um controle inibitório inadequado. Em conjunto com o controle inibitório atuam os processos de atenção.
Entre os processamentos cognitivos envolvidos estão os elementos de filtragem, e um deles é a atenção, mecanismo cerebral-cognitivo que possibilita o processamento de certas informações, ações e pensamentos. Enquanto o processamento é realizado, os elementos irrelevantes ou que possam causar distração são ignorados pelo sistema. A todo instante recebe-se um bombardeio de informações do meio ambiente; assim, a atenção processa fontes diferenciadas de informações ao mesmo tempo, selecionando aquelas preferenciais.
A flexibilidade cognitiva, último construto das funções executivas principais, é a capacidade do indivíduo de mudar ou alternar de objetivos durante a realização de uma tarefa, e é necessária principalmente diante de imprevistos do meio que inviabilizam o cumprimento do objetivo como estava determinado inicialmente, ou quando a tarefa possui dois objetivos diferentes. Diamond (2013) descreve a flexibilidade cognitiva como a mudança de perspectiva, isto é, pensar sobre algo de forma diferente. Por exemplo, se a forma de resolução de um problema não funciona num determinado contexto, pode ser que uma nova concepção deva ser considerada, ou seja, deve ocorrer a flexibilização do pensamento.
Gil (2010, p. 165) afirma que “a flexibilidade mental designa, então, uma capacidade de adaptar as escolhas às contingências”, ou seja, o indivíduo é capaz de alterar seu comportamento para se adaptar ao que o meio lhe oferece. A flexibilidade cognitiva envolve, portanto, ser flexível o suficiente para se ajustar a diferentes demandas ou prioridades, além de ser capaz de perceber a mudança ou o erro e tirar vantagens de oportunidades e situações inesperadas. Por exemplo, se o indivíduo está organizado para realizar a tarefa X, porém o ambiente torna-se propício para a realização da tarefa Y, a flexibilidade revela-se no momento em que o sujeito percebe que fazer Y seria melhor do que fazer X. Diamond (2013) apresenta um exemplo de flexibilidade por parte do professor. Cada professor estabelece seu jeito de ministrar as aulas e de organizar o conteúdo, porém alguns alunos podem não conseguir aprender. O professor pode pensar que o seu modo de ensinar funciona, ou pode refletir sobre uma maneira diferente de apresentar o conteúdo para aqueles alunos. Nesse último caso, ele está flexibilizando sua maneira de ministrar o conteúdo.
Esses três construtos compõem as funções executivas principais e dão a base para o desenvolvimento do raciocínio, da resolução de problemas e do planejamento. A memória de trabalho, a inibição e a flexibilidade cognitiva atuam em conjunto pois, para conseguir relacionar diversas ideias e responder adequadamente, a pessoa precisa ser capaz de resistir aos estímulos distratores e focar em algo; precisa controlar os pensamentos e manter a persistência na tarefa e, se necessário, monitorar e alterar seu plano de ação, requerendo todos esses mecanismos em conjunto.
Apesar de funcionarem de forma integrada, cada uma das diferentes habilidades principais de funções executivas possui um momento em que começa a ser desenvolvida, e esse desenvolvimento será descrito a seguir. As funções executivas possuem um curso longo de desenvolvimento. Huizinga et al. (2006) e Miller e Cohen (2001) afirmam que conforme as funções executivas se desenvolvem há um melhor controle dos pensamentos e das ações. Por serem constituídas por diversos construtos, as habilidades envolvidas nas funções executivas não possuem fases e momentos fixos e precisos de desenvolvimento, pois cada elemento possui características desenvolvimentais próprias que ocorrem em momentos distintos, ou seja, a atenção e a memória, por exemplo, poderão se desenvolver em momentos diferentes. No entanto, de modo geral, esse desenvolvimento começa a ocorrer por volta dos 12 meses, aumentando gradativamente conforme a progressão da idade, e tende a se estabilizar na vida adulta e declinar na velhice.
O desenvolvimento da habilidade de memória pode ser percebido já em bebês de 9 a 12 meses durante a realização de tarefas simples de diferenciação de objetos e de cartões com quantidades diferentes. Os bebês apresentam sinais de memória ao perceber que um objeto é diferente de outro, fixando menos tempo o olhar naqueles previamente conhecidos. O início do desenvolvimento da memória de curto prazo ocorre em idades precoces; crianças bem novas já se mostram capazes de lidar com uma ou duas informações por um determinado tempo. Desenvolve-se durante a infância, a adolescência e a vida adulta e declina na velhice, devido à diminuição da velocidade de processamento da informação.
A flexibilidade cognitiva começa a surgir nas crianças na primeira infância e possibilita a melhora na capacidade de planejar ações mais abstratas. Ela continua a se desenvolver conforme a progressão da idade. Portanto, apesar de ser percebida em crianças, ainda não está plenamente desenvolvida, podendo se tornar mais eficaz e refinada de acordo com as influências do ambiente, as interações e as intervenções. Começa a se desenvolver em crianças por volta dos 2 anos e meio de forma mais simples, como em atividades de reversão, apertar um lado da tela quando aparece um estímulo, depois apertar o outro lado, conforme o estímulo muda. Por volta dos 4 ou 5 anos, torna-se mais refinada e, assim como outras habilidades, declina na velhice.
A inibição começa a se desenvolver por volta de um ano e prossegue até a adolescência; exerce grande influência na vida adulta. Um bom controle inibitório na infância atua de forma preditiva na capacidade de, por exemplo, esperar a sua vez e distrair-se com facilidade. Pessoas com mais inibição conseguem evitar fazer escolhas arriscadas, como fumar, usar drogas, tornar-se obeso e infringir a lei. A inibição atinge seu ápice na vida adulta e declina na velhice. Já a capacidade de tomar decisões de forma adequada começa a se manifestar em crianças por volta dos 4 anos, assim como a habilidade de planejamento de resposta e de monitoramento. Pesquisas sobre as funções executivas e o desenvolvimento de seus construtos em crianças têm sido conduzidas e há indicações de que estão relacionadas à idade e ao ano escolar; também há indícios de que as diferentes medidas de funções executivas se relacionam entre si.
FONTE: Pazeto, T. C. B.; Seabra, A. G.. O que prediz leitura, escrita e matemática?: análise de habilidades na educação infantil. São Paulo: Editora Mackenzie, 2020.